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RECONSTRUÇÃO

§01

sou tardio como esse vento
segado nas folhas do outono
e não me oprime o desapego
nem nos silêncios de durar;

sou cinzento como as nuvens
que cobrem o olhar distante
quando amanhece ao meio dia
uma manhã sem se encontrar;

sou chuva nos canais da lua
pegadas submersas no deserto
rio pelas cavernas do subsolo;

a poeira é meu chão no voo
nas teias do tempo que teço
a vida atada em desconsolo...


§02

sou contingente e inconcluso
num quadro que é todo metade
sou na quietude de claustros
esse silêncio que petrificou;

não sou a imagem do espelho
anterior aos tempos adiados
sou o reflexo a esgueirar-se
de um exilado que não voltou;

mais vezes do que me propus
e outras sem nenhuma escolha
fui às fronteiras da deserção;

sou o barco deixado à praia
um náufrago do próprio olvido
a contar ondas que vem e vão...


§03

sou um grito que o vento leva
de palavras postas aos muros
sou uma chave que não fecha
nessa porta a ranger sem fim;

sou o que dizem a meia boca
de ambiguidade, de incertezas
essa asa que sequer alça voo
conclui sua trajetória em mim;

sou a argila que enferruja
sob a ação do lodo e dos dias
e depois, uma memória largada;

possa um anjo colher-me o pó
do que em brasa e gelo ardia
e juntar aos arquivos do nada...

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CÔMPUTO

A equação do voo das moscas o zunido do fosso dos ventos, O número de grãos da areia a ferrugem dos dias e da alma,                                                                        O azul a lua etérea,                              as páginas obscuras do Índex, voos e ardis,                                                                                 O abecedário das formigas o sustenido dos pardais, O sol nos bancos das praças a ordem objetiva do mundo... Tudo foi calculado.

STANDBY

me devoto ao impossível tanto quanto creio no tempo e seja próprio do existir o embate inútil das ideias, me devoto aos artifícios Michal Mackú como se a derme calcificada da alma, toda se adequasse em mimetismos e disfarces, no indissolúvel contrato do desencontro, e do vazio tudo é uma espera constante enquanto se macera a vida, mas o espetáculo continua seja noite ou tempestade e o que movimenta a máquina ao menos também a pulveriza...

O OUTRO

Me desfiz de mim há algum tempo esse que tropeça entre móveis, gestos é outro mais incerto, Aposto aos dias às horas mornas cego e absoluto Menino Sentado - Portinari de vazios, equívocos viagens sem retorno, Faísca em geleiras seu coração rude mãos calejadas                         o arado nas pedras a trespassar o desejo, Abala os montes acordos, os mitos apura a veleidade inútil das esperas, do sonho impossível, Falho de verdades à beira do abismo entre asa e vento segue o caminho, é outro mais incerto.