Pular para o conteúdo principal

RECONSTRUÇÃO

§01

sou tardio como esse vento
segado nas folhas do outono
e não me oprime o desapego
nem nos silêncios de durar;

sou cinzento como as nuvens
que cobrem o olhar distante
quando amanhece ao meio dia
uma manhã sem se encontrar;

sou chuva nos canais da lua
pegadas submersas no deserto
rio pelas cavernas do subsolo;

a poeira é meu chão no voo
nas teias do tempo que teço
a vida atada em desconsolo...


§02

sou contingente e inconcluso
num quadro que é todo metade
sou na quietude de claustros
esse silêncio que petrificou;

não sou a imagem do espelho
anterior aos tempos adiados
sou o reflexo a esgueirar-se
de um exilado que não voltou;

mais vezes do que me propus
e outras sem nenhuma escolha
fui às fronteiras da deserção;

sou o barco deixado à praia
um náufrago do próprio olvido
a contar ondas que vem e vão...


§03

sou um grito que o vento leva
de palavras postas aos muros
sou uma chave que não fecha
nessa porta a ranger sem fim;

sou o que dizem a meia boca
de ambiguidade, de incertezas
essa asa que sequer alça voo
conclui sua trajetória em mim;

sou a argila que enferruja
sob a ação do lodo e dos dias
e depois, uma memória largada;

possa um anjo colher-me o pó
do que em brasa e gelo ardia
e juntar aos arquivos do nada...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PAISAGEM

fragmentos de nenhum plenitudes de migalhas e sabor de poucos azuis, minha paisagem cruza dos contornos do agora Pano Branco by João Carlos in www.blckdmnds.com às espacialidades  nuas, transpondo os mundos e os revirando em mar de um imergir miragens,                           lançando-se ao absorto para colher das estórias a que não será contada, sei pouco de horizontes e paralelos e contrastes nesse olhar de sombras, minha voz é do silêncio carcereiro das palavras que não alcanço libertar.

ESTANTE

Colaboração de Rita Carvalho   em desenho de  Raquel Pinheiro (clique para ampliar) ando a procurar inspiração me fogem as palavras, como dizê-las? as razões e os modos desaprendi; o único caminho que sigo, ainda, é entre incertezas; guardava poetas na estante mas hoje os guardo lendo a vida e reconheço, viver é intraduzível; o único caminho que sigo, mesmo, é entre asperezas; tem momentos em que o silêncio faz gritar a poesia com palavras que não se escrevem... não quero descobrir os caminhos, apenas ter a luz acesa.

CICLO e outro poema

CICLO Não tenho o que fazer E então imagino versos Melhor do que guerras É reinventar universos Melhor que navegar só Ter palavras na vereda Mais denso que cálculo Ou musa que interceda À falta de aventurar-se Enlouqueceram muitos Já desaprendi as regras Dos contratos fortuitos Deixo a cargo do acaso Redescobrir a liberdade As cores de pintar o céu As paródias da verdade Não preciso saber muito Nem desejo saber nada Nada tenho a que fazer E reinicio quando acaba. DESEJO ambicionava montanhas na minha cidade não há assim invento mergulhos, e me preencho de alturas que não posso escalar... precisava de temperança na minha cobiça não cabe assim, me rendo à gula, e tomo o mundo com ganas mesmo que não o engula... a necessidade me leva em busca de uma alquimia de transmutar os enganos, e me aferro à lacuna ...