DESAPEGO
Quero passar pelo mundo
De uma ponta a outra da sala de espera
E não me dar conta na memória
Daquilo que me possa deter o olhar,
Que tudo que existe é fátuo
Diante das coisas a penumbrar
Assim deve-se seguir sem amarras, volátil
Como bolhas de sabão pelo ar,
Que nem tenho posses, tampouco fazendas
Ou possibilidades de ganhos
Mais que reprimendas e uns poucos recursos
De que não me posso orgulhar,
E estar despegado de tudo
É a proposta de quem tudo me vai levar
Nem a posse de mim mesmo me valida
Para jogar apostando a vida.
Pouso - por J. Ribas |
INVENTÁRIO
Ali, guardados entre os despojos
Da velha estória, zuniam obscenidades
Os vazios largados dos desejos,
Esses que por medida nunca vinguei
Dos cortes a sangue frio no medo
E do mofo das impossibilidades,
Estavam crus, indolentes, sem vaidades
Servis e rasteiros, ocos de mim...
E creio mesmo que nem os notaria,
Não fosse aquele som a retinir
Grudento como um molusco na alma
Açoitado pelo inventário das saudades.
RECEITA
Do amor quero ser o poente
Que se funde ao abismo
Aquele suspiro no escuro
Para lembrar de que cismo
Numa nuvem quebrada no ar,
Do amor, onda irrequieta
Quero transpassar a porta aberta
Os mundos de outra dimensão
Parte azul, outra parte escuridão
Numa praia nua e deserta,
Do amor espero do estio
A faísca que golpeie o horizonte
E a vida recriada desde a fonte
Me embeveça do reverso infinito
De onde deságuam os rios,
Do amor quero a displicência
De lanternas presas aos galhos
A luz subjugando o espaço
E círios a luzir na cadência
De sombras, por entre retalhos,
Do amor não espero nada
Que não seja por si mesmo
Completo da soberana vontade
E essencialmente livre, e ileso
De escolher sua própria estrada,
Do amor não quero evidências
Nem corruptelas, ou desculpas
Serões, urgências, ou panaceias
E seja um vivo clarão no obscuro
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